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Santa Liberdade
23 septembre 2004

“A Secretária” é um filme detestável. Não por ter

“A Secretária” é um filme detestável.

 

Não por ter cenas de perversões sexuais explicitas. Estas fazem parte da vida (que se há de fazer?), então é normal que façam parte da arte. Todas as cenas são aceitáveis. Exageradas, sim, mas aceitáveis. Inaceitável é o contexto em que estas cenas são mostradas.

Maggie Gyllenhaal (parece o nome de uma personagem de Yeats) é uma neurótica pervertida. No começo do filme ela está saindo de uma clinica para doentes mentais tida como curada. Volta à loucura masoquista ao entrar em contado com a família tradicional, seu pai alcoólatra, sua mãe superprotetora e sua irmã que não aparece muito no filme, pois se casou logo no começo. Durante uma discussão entre os pais Maggie Gyllenhaal cai em depressão e logo se queima de propósito com uma panela, aparentemente para tentar suportar a realidade familiar. Quer dizer: a família é uma prisão e uma tortura.

Logo a vemos em um curso de datilografia e depois procurando um emprego de secretária, sem dúvida para fugir da prisão que é seu lar. Nessa busca ela topa com James Spader. Ele é uma figura apagada, sem vida própria, sem amigos e sem família – a não ser talvez uma outra mulher do passado dele de quem ele foge como um vampiro da cruz. Spader percebe que Gyllenhaal procura o sofrimento e a dor, e se excita com a idéia de puni-la e torturá-la.

Aos poucos Spader se envolve cada vez mais com Gyllenhaal, chegando a lhe dar uma severa surra, e ela fica feliz, encantada... Vivem um período feliz, até que ele se enche de maltratá-la, a única coisa real no filme (mas não fica muito claro porque ele é um péssimo ator), pois perversões realizadas são entediantes e enjoativas, e a deixa de lado. Depois, percebe que ela está obcecada pela idéia de ser torturada por ela, inclusive o provocando para ser punida, e ele percebe que piorou e muito o estado psicológico dela. É quando resolve se afastar dela e demiti-la (pagando uma boa indenização, a que ela não teria, segundo o filme, direito legal).

Gyllenhaal não aceita. Permanecer obcecada pelo chefe. Rejeita o amor convencional de seu noivo, rejeita a vidinha convencional de sua família, e na véspera do casamento corre para o escritório do ex-patrão. Atira-se aos pés dele, jura amor mil vezes, e acaba sendo aceita como amada, se submetendo a mais um castigo degradante. Terminam os dois juntos e felizes, com suas perversões.

O filme é tecnicamente muito bem feito. A direção de Steven Shainberg é competente, a trilha sonora e a fotografia são razoáveis, Gyllenhaal é uma boa atriz, os coadjunvantes também são bons. Spader é um canastrão, mas está bem dirigido. Poderíamos relevar os absurdos do roteiro, como o escândalo no final do filme, a imprensa e todos os amigos e parentes da moça acompanhando seu sofrimento durante o castigo dela no escritório dele, o que acabaria com a carreira de qualquer advogado nos EUA. O pai dela conversando com a filha sem fazer um movimento para reinterná-la na clinica (o que seria mais do que sensato) ou dar um belo muro em Spader. É também muito difícil acreditar que um homem que ama uma mulher seja capaz de humilhá-la e torturá-la, na frente da família, do noivo e de seus conhecidos, daquele jeito. Mas até aí está tudo bem, não posso pensar em filme recente de média importância que não tenha seus absurdos ou inverossimilhanças no enredo.

Mas a mensagem, com Spader e Gyllenhaal se entregando um ao outro no final e vivendo com prazer suas perversões, rumo a um relacionamento que a lenda politicamente correta considera saudável (sem filhos, distante dos pais, em igualdade dentro de casa, etc.), querendo dizer que a família atrapalha um moderno relacionamento, que a moral e a repreensão são um obstáculo à felicidade, que o ser humano deve procurar a satisfação de seus instintos sem considerações pela sociedade, que é possível ser pervertido e feliz ao lado da pessoa amada, enfim – não dá para relevar a mensagem do filme, que não poderia ser mais falsa.

Quase nunca o pervertido sexual é feliz. Quase sempre ele ou enjoa de seu parceiro ou se entristece por viver a margem da sociedade. A felicidade em um casal de pervertidos dura só até um dos dois se enjoar da perversão ou do parceiro e aí os conflitos começam, tanto mais difíceis de se administrar quantos mais prazer se encontrou anteriormente na perversão. Se Spader, ao perceber que se tornara importante demais para Gyllenhaal, decidisse viver com ela, mas sem perversão, ajudando-a a sair da armadilha de sua neurose autodestrutiva, seria uma homenagem ao amor entre um homem e uma mulher, um amor saudável, disposto a superar suas más tendências e seus vícios pela mulher amada. Se cada um depois fosse para seu canto, sem maiores conseqüências e conscientes de que afinal é realmente melhor assim, seria um final trágico, sombrio, mas daria ao espectador uma lição sobre como o ser humano é frágil e como a perversão sexual é um empecilho a uma vida feliz.

Com o final que os produtores, o diretor e o roteirista deram para o filme só se pode ver nele uma propaganda da perversão e antifamília. Sei que não tenho leitores mas, se tivesse, eles certamente ficariam tristes porque eu contei o final. Mas eu não ficaria triste por você, caro leitor hipotético, porque o que eu quero é que esse filme não seja visto por ninguém. É um filme detestável.

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